sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Posso negar tudo desta parte de mim que vive de nostalgias incertas, menos esse desejo de unidade, esse apetite de resolver, essa exigência de clareza e de coesão. Posso refutar tudo neste mundo que me rodeia, que me fere e me transporta, salvo o caos, o acaso-rei e a divina equivalência que nasce da anarquia.[...] O que significa para mim significação fora da minha condição? Eu só posso compreender em termos humanos. O que eu toco, o que me resiste, eis o que compreendo. E estas duas certezas, meu apetite pelo absoluto e pela unidade e a irredutibilidade deste mundo a um princípio racional e razoável, sei também que não posso conciliá-las. [...] É, na extremidade do último pensamento do condenado á morte, aquele cadarço de sapato que, apesar de tudo, percebe a poucos metros, bem na beirada de sua queda vertiginosa.[...] Da liberdade só posso ter a concepção do prisioneiro ou do indivíduo moderno no seio do Estado. A única que conheço é a liberdade de espírito e de ação.

O MITO DE SÍSIFO - Albert Camus

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

O fio dourado...

"O primeiro princípio da ação não-violenta é a não-cooperação com tudo que é humilhante"
Mahatma Gandhi

Quando criei este blog, a pretensão inicial era falar de assuntos relacionados à filosofia e à arte. Entretanto, um tema de fundamental importância foi se delineando, sendo um tema filosófico, artístico, literário, enfim que abrange tantos outros contextos quanto os que tangem a nossa vida. Trata-se do amor, em todas as suas formas e a partir de todas as acepções, principalmente o ágape, a ligação fraterna entre os seres humanos. Esse vai se tornar o fio condutor que vai unir, ligar, entrelaçar e dar sentido às idéias que vão se colocar nesse espaço, que é nosso. Um fio dourado tecido entre nós, eu e vocês.
O amor é, em última instância, respeito à dignidade do ser humano. Toda vez que se trata alguém com desrespeito, também se age com desamor. Uma definição? Talvez. Entre tantas possíveis, talvez essa engendre a reflexão de que precisamos para começar a colocar mais amor em nossos gestos, nossas ações, nossas palavras. Mais sorrisos, menos mau humor. Um olhar terno pode milagres! Cada dia vale quanto amamos. Mais amor por nós mesmos. Vamos reconhecer nosso valor humano. A soma das vidas constrói a sociedade. Nossa sociedade está carente...

Tempo!
Quero viver mais duzentos anos
Quero não ferir meu semelhante
Nem por isso quero me ferir
Vamos precisar de todo mundo
Pra banir do mundo a opressão
Para construir a vida nova
Vamos precisar de muito amor...

Soltos, como pó!

Como operário eu era gente, era alguém. Não vivia ao vento. Já não era só eu, estava feliz. Tinha raízes, não era pó. Estava na fábrica, de macacão, crachá e com esperanças no peito. Mas a crise... a reestruturação... os setores que fecharam, as funções que desaparecem, os colegas demitidos. Outras terras, nossa sina, novas lágrimas, outras esquinas. Tempos de desagregação e desatinos. No recomeçar da empresa, nossos sonhos incompreendidos. E dia após dia, a produção foi comendo nossas vidas. As máquinas, moendo nossos sonhos. A competição, transformando-nos em inimigos. No silencio competitivo, somos humilhados, desqualificados. No recomeçar da vida, a rádio peão anuncia que um adoeceu, o outro morreu e mais um, desapareceu. Meu peito, de tanto sofrimento é um laço, um nó. Estamos perdidos, lançados ao vento, num redemoinho de areia. Somos muitos, cada vez mais, sem raízes. Soltos. Como pó.

(Julio Tavares)

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Uma indomável história de amor

Amor já é uma palavra batida, dessas que se fala por falar, com variadas conotações e diversos significados, ou até mesmo sem significado algum. Amar, amar genuinamente, é algo que está em falta. O século XX foi denominado, entre as muitas nomeações, como o século da solidão, que se alastra ainda mais na alvorada do século XXI. Numa era de relações mediadas pela tecnologia da informática, em que nossa sociedade carece de interações face a face, os sentimentos se perdem em meio a ausências quase intransponíveis, a compromissos relativizados, à diluição dos ideais. Amor enquanto cimento entre as pessoas, promovendo ligações perenes e conferindo sentido à existência é matéria cada vez mais rara. Enquanto argumento para criações cinematográficas, já é consenso geral que o amor romântico, a fórmula da ilusão ocidental, sempre e de várias formas consiste num gancho eficaz e é segredo de sucesso comercial infalível.
O filme Os Indomáveis segue o modelo dos westens americanos, ressuscitando um gênero que já arrebatou platéias. Nesse tipo de produção, não se espera ver um casal apaixonado como foco central da história. De fato, o que se vê a olho nu é uma luta por terras, ou por outros tesouros materiais, entre defensores da lei e bandidos valentões. Não é diferente no filme de James Mangold. Um olhar mais acurado, no entanto, permite observar enredos mais sutis e histórias bem mais ricas, fazendo pensar sobre uma ligação muito mais profunda e significativa que permeia a aparente barganha por um pedaço de terra que envolve os personagens centrais.
Dan Evans (Christian Bale) é um rancheiro falido que decide escoltar o famoso bandido Ben Wade (Russell Crowe) em troca de 200 dólares para pagar suas dívidas e evitar perder suas terras para o banqueiro da cidade. Ferrenho defensor da lei, sonha em se tornar herói aos olhos do filho. Ben é um bandido voraz e esperto, praticamente impossível de ser capturado. Essa saga une os dois numa trajetória que surpreende pelo fato de que ambos encontram um no outro um irmão de que sentem falta e que nunca tiveram.
Solitário na senda para sustentar sua família, Dan conquista a afeição de Ben por causa de sua sinceridade e de sua simplicidade. Ben, revoltado com a hipocrisia dos que defendem o certo contra o errado, com regras duras e inflexíveis, com comportamentos mais atrozes que os de um bandido declarado, tem um histórico de abandono quando criança e se fez sozinho o maior bandido da região, líder de um bando leal e terrível. Nunca teve família. Encontra em Dan uma cumplicidade fraternal que os leva a um final comovente. Vale a pena ver e refletir sobre o que nos falta na atualidade.
"Não vá por caminhos já andados. Caso contrário, nunca deixará marcas suas no chão."
(Leonardo Boff)
"Como se mede um ano? Quinhentos e vinte e cinco mil e seiscentos minutos. Quinhentos e vinte e cinco mil e seiscentos momentos. Como se mede um ano na vida? Que tal com amor? Mede-se em amor. Tempos de amor."
(Rent)
"Um poeta deve deixar vestígios da sua passagem, e não provas. Só os vestígios fazem sonhar."
(René Char)